11 junho 2008



Sabe a liberdade que você experimenta na internet --de navegar onde quiser, baixar músicas e filmes, pegar uma foto aqui, um texto ali e colocar em seu blog-- e que parece inerente à rede, como se fosse uma qualidade natural do sistema?

Bem, ela não é assim, como uma dádiva inalienável --pelo contrário, está sendo tomada aos poucos de você, que deve, portanto, lutar para mantê-la.
Divulgação
Jornalista canadense Cory Doctorow, do blog Boing Boing, fala à Folha sobre seu novo livro, liberdade na rede e downloads ilegais
Jornalista canadense Cory Doctorow, do blog Boing Boing, fala à Folha sobre seu novo livro, liberdade na rede e downloads ilegais

Isto é o que pensa Cory Doctorow, 31, jornalista canadense que é uma das personalidades mais conhecidas e respeitadas da rede, graças ao blog do qual é editor, o Boing Boing --o mais popular do mundo, segundo o ranking do site especializado Technorati.com, e vencedor tanto do Oscar dos blogs (o Bloggies) quanto do da rede (o Webby Awards).

No Boing Boing, as dezenas de posts diários focam em assuntos tecnológicos, na defesa dos direitos dos usuários e em cultura popular. O blog também é famoso por estimular boicotes contra grandes corporações --e, contabilizando mais de 3 milhões de pessoas apenas entre seus assinantes, sempre causa grande barulho. Numa briga contra o Bank of America, por exemplo, o blog diz ter gerado uma perda de US$ 2 milhões em contas encerradas.


Liberdade conquistada

"A internet não é livre porque tem uma resistência inata à censura, mas porque as pessoas lutaram muito para mantê-la assim", disse Doctorow em entrevista à Folha, por telefone.

"Hoje, acho que há uma grande aliança de inúmeros grupos que têm cada um sua razão para querer uma internet menos livre, desde donos de direitos autorais até governos opressores e gente preocupada com spam e com os vírus."

Essa preocupação de Doctorow com a liberdade na rede se reflete em seus posts no Boing Boing e, agora, ele a transformou em um livro de ficção, "Little Brother", que acaba de ser lançado no exterior e já está na lista de mais vendidos do jornal "New York Times".

"Sempre usei o Boing Boing como um lugar para guardar minhas anotações sobre o que estou pensando. Eu observo o mundo e vejo coisas que mereceriam livros, escrevo sobre elas no blog e, eventualmente, elas acabam em livros."

O pequeno irmão

"Little Brother" (em oposição ao Big Brother orwelliano) fala de um grupo de jovens de São Francisco que usa a tecnologia para reconquistar sua liberdade que, num cenário fictício, mas longe de ser improvável, foi cerceada pelas ações que o Departamento de Segurança dos EUA adotou para combater o terrorismo, após um ataque.

"Tendo perdido várias das liberdades fundamentais que definem um ser humano livre, eles reagem, constróem uma internet paralela a partir de [consoles de videogames] X-Box hackeados, que não podem ser rastreados", diz Doctorow.

"Havia diversas coisas que eu queria abordar no livro. A mais importante é que, na minha adolescência, via os computadores como uma ferramenta de liberação e, hoje, os garotos vêem, com razão, que os computadores são usados para rastreá-los, para espioná-los e controlá-los."

Filho de professores trotkistas, Doctorow é militante de primeira hora no movimento pela revisão dos conceitos de direito autoral e por isso se aproximou de diversos brasileiros, como o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o advogado Ronaldo Lemos, diretor do projeto Creative Commons (que prevê licenças de direitos autorais flexíveis) no Brasil.

Ele vê uma tendência de "autoritarismo crescente" e rechaça o discurso dos que desejam maior controle sobre a rede e argumentam que querem controlar apenas alguns tipos de tráfego (como os downloads ilegais) e de sites.

"Isso é como a gravidez, ninguém fica só 'um pouco' grávida. Uma pequeno sistema de controle já tornaria a internet completamente diferente da rede livre, porque seria aplicado a inúmeras coisas."

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